“O meu sonho de arte, modesto e calado, é que o artista desapareça, desapareçam as pretensões à durabilidade, desapareça todo sectarismo e todo exclusivismo, desapareça toda política e toda vontade de predomínio. E o poeta se resigne – corajosa e serenamente – a ser apenas uma voz que passa, boa, bela, excelente, se no momento em que passava lançou, deveras, em algumas almas, um pouco do prazer divino da ideia e do sonho. E, assim, a poesia seja uma perpétua sucessão de flores de um dia, contentes de viver um instante no perpétuo esplendor das coisas transitórias.”
(Amadeu Amaral, in Poesia de Ontem e de Hoje – livro: “O Elogio da Mediocridade” – Hucitec – S. Paulo, 1976)
Diáfana esfera azulada
gira na folha branca.
Ouso a catarse
o êxtase
a aventura do poema.
Em praia longínqua
de alforje molhado aos ombros
um náufrago vejo: Camões.
Os sonhos e proezas dos lusíadas
em seus manuscritos cantos
eternizados na história.
Ouso a aventura:
pensar o poema.
Vazá-lo por entre os dedos
como vazasse dos pulsos
o sangue na esfera
circundada de estrelas.
O vento a trazer lembranças
de amores extintos nas brumas
descompassadas do tempo.
Ao correr da pena
movo, removo imagens
(re) ordeno sentimentos
dou-lhes o matiz que entendo mais conveniente
no afã de ter
por fim talvez desútil mas inteira
a tela desejada, multicor.
Ah, pensar o poema
tentar concebê-lo
como rara flor de píncaro
salva ao turbilhão de raios
vendavais
e enxurradas
no branco imenso da folha.
Pensá-lo quando estende-se a noite
e entre brilhos de festa incessante
apagam-se estrelas.
Ouvir sem desesperar-se
o canto de um cisne
no lago em que a lua a rir-se
convida ao afogamento.
Pensar o poema:
a vida que segue
o bem que nos traz o amor
o amor que nos traz o bem.
Na alvura da folha frágil
sondar enigmas:
a impermanência dos seres
sua dor de viver tendo à volta
sempre o temor de morrer
o temor
de acabar como tudo acaba.
Divino é nesse píncaro de raios
em que se isola e se alteia
ousar a aventura do poema
vazá-lo por entre os dedos
a própria vida a sumir-se
no branco imenso da folha.
Sergio de Sersank
Londrina, 28 de janeiro de 2006